29 maio, 2009

Das perturbações

Quando me olha. (por que me olha? que procura? qual raridade ou estranheza busca nos meus olhos que deles não desvia?)
Quando rimos. (sempre pelos mesmos motivos, sempre sem motivo nenhum, pela sua inocência ou minha devassidão.)
Quando me beija. (é doce e pequeno e sublime e nobre. ou vira uma vontade imensa de te abraçar ou um desejo sem tamanho de te mostrar tantas coisas que imagino que queira aprender comigo. e me calo.)
Se me corrige. (eu não sei mesmo falar inglês. como se eu precisasse da sua ajuda.)
Se me elogia. (porque eu realmente não acredito em você.)
Se passa tempo demais segurando minhas mãos. (que medo que eu fuja ou me afaste, que intenção existe no calor do teu carinho?)
Se fala de coisas que não entendo. (precisava ser assim, tão melhor do que eu?)

15 maio, 2009

Primeira mulher

Nasceu cega.

Até que um dia morreu.

ou

Nasceu cega. Chamaram-na Helena. Não aprendeu braille, não reconheceu vozes. Não namorou, beijou ou acariciou alguém. Não estudou. Não trabalhou. Só comeu o que lhe era permitido. Não brincou com criança alguma, não correu atrás de cães, não afundou as mãos no barro. Não soube o que era barro. Nunca passeou. Jamais teve amigos. Jamais teve diário ou o que escrever em um. Não conheceu poesia. Nunca dançou. Não teve fé. Não conheceu esperança. Não valeu a pena. Não era nada. Não foi nada.

Até que um dia morreu.

08 maio, 2009

(sem título XVI)

Te olho tanto e fico pensando quando foi que seus cabelos se cachearam tanto, quando foi que ficou difícil passar os dedos entre eles, quando foi que você cresceu e ficou assim tão alta. Quando, de verdes, seus olhos se tornaram azuis e depois cinzas? Agora, quase negros, passaram a me dizer cada vez menos de você.

Te olho procurando os meus defeitos. E em você eles são belos, sequer posso chamar de defeitos: são particularidades, humanidades manifestadas. Torno-me eufêmica, portanto, diante de ti.