16 agosto, 2011

Poesia e Poesia

"(...) ostra feliz não faz pérola. Isso vale para nós".
Rubem Alves


Há o que se escreve e é poesia.
Surge do vazio de sentir,
da angústia.
É qualquer letra e palavra e
qualquer desconsolo.


Há o que se sente e é poesia.
É o mais pleno mergulhar de almas,
um embaralhar contínuo de desejos,
uma paz constante.
Todo o ser é só a vida
e não há o que ser dito
porque não existem palavras para dizê-lo.


Viver a poesia é o fim do poema.


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Foi bom, amigos, enquanto durou.

07 julho, 2011

Voie

*desabafo, EU: "Onde iremos se insistires em me amar?"

E divagas, sozinho
, dizendo que esta
s são preocupaçõ
es que não me ca
bem. Vamos, não
sabemos nós para
onde. É só uma es
trada feita de pass
os lentos, porque n
ão queremos cheg
ar. E divagas, sozi
nho, dizendo que e
stas são preocupaç
ões que não me ca
bem. Vamos, e qu
e adormeça o dia.

*desabafo, EU: "Eu fugiria. Mas prefiro estar. E ir"

27 junho, 2011

(ar)Rasto

Eu, no teu encalço,
farejo pelas vielas e becos.
Procuro as promessas feitas,
as pichações cegas,
as provas do assassínio que cometeste contra o meu amor.
Tua imagem, que me é quase uma ofensa,
atravessa meu pensamento à mínima suspeita do teu perfume.
Esvai-se, esvai-se
sem nunca perder, de fato, a forma de quem constroi sonhos.

Não te sigo,
sigo teu rastro. Sigo o passo apagado pelos dias.
Miseravelmente,
sigo o vestígio de onde penso que esteves.

E dou contigo às caras
punindo-me por ser lento,
por não acompanhar-te a tempo.
Eu nego, tu sofres,
eu juro, tu injuria-se.
Assumo o erro que não tive,
faço-me vilão.
Perdura-se, perdura-se.
Eu me perco, sem logro, onde jamais me encontrarei.

24 junho, 2011

Trago

Não gostava, mas decidiu sentar-se ao sol. Afastou a grande bolsa para o lado, cruzou as pernas desajeitadas. Tomou o pequeno isqueiro vermelho entre os dedos, domou-o. Ajeitou o cigarro entre os lábios pintados e, com um fogo tímido, acendeu a ponta. A tragada forte inundou-lhe o espírito de fumaça e ocultou-lhe o frio, por um instante. Tomou um gole do chá – já estava morno. Viu sua sombra à frente, o cabelo pareceu-lhe bonito. Baixou os olhos e viu, no fundo do copo plástico, os dedos que o seguravam; dedos cor de mate, “uma cor bonita pra se ter”, pensou. O chá estava no fim. A fumaça do cigarro voava esparsa no vento e circundava-lhe o pescoço, como um bonito cachecol de vazio e monóxido de carbono. Respirou fundo. Deu um trago.

Olhou para frente; viu uma obra, alguns prédios, viu pessoas ao sol, viu o céu azul e limpo. Viu que sua realidade não se comovia com suas acepções sobre o mundo, viu que sua existência era um nada consumado, viu que seus desejos eram incompletos e inconstantes. Viu-se desmerecida do que tinha, viu-se sozinha sob o sol. O vento soprou-lhe as costas, a blusa de lã não ofereceu qualquer resistência contra o frio. O corpo estava frio, os pés estavam frios, as mãos estavam frias. O coração frio como se não houvesse amor, o pensamento frio como se não houvesse fantasia. A alma fria de quem não conheceu a satisfação se ser. O chá frio. Protelou o último gole e deu um trago.

No céu, andorinhas desavisadas buscavam o verão. Pensou na tolice maniqueísta de suas justificativas para o fracasso. Pensou no frio. Fechou os olhos e tentou lembrar-se de uma tarde quente, mas nenhuma lembrança calorosa fez sentido. Lembrou-se então das dúvidas que tinha no peito, vastas como um campo aberto, enquanto flores de esperança brotavam-lhe na garganta. Respirou a brisa que vinha de dentro, cheirava a angústia de abismo. Um arrepio vindo do precipício estremeceu-lhe a espinha, o cigarro ameaçou cair. Sentiu medo. Não sentiu mais nada. O pensamento se refez em aurora rósea, sem luz ou sombra que tocasse o chão. Abriu os olhos. Deu o último gole no chá gelado. E deu um trago.


Post escrito em homenagem às 10.000 visitas do Ode à Vida.

17 maio, 2011

~

Aquele traço marcado...
                                  o que é?

Foi um risco que se perdeu da tinta.
Foi o corpo que faleceu no ar.
Foi o vazio de ver tudo círculo
               e não poder discutir a forma.
Foi o resto perdido no branco.

Aquela marca azul,
                                  o que é?

É uma linha entre o campo e o céu,
                           o céu e o mar.
É uma mancha no mar.

Tudo cabe dizer e tudo pode ser dito:
que é esboço, linha, lance, sinal, vestígio.
Que é rastro.
É um erro sobre o texto,
um pedaço de mágoa no inteiro,
imperceptível,
                     pequeno e mudo,
cômodo, triste.

Sem argumento.
Apoético.

13 maio, 2011

Ultrapasso

Não estão no caminho feito
os passos dados.
Não há vestígio dos pés, daquilo que foram.

O conforto está em esquecer o caminho, em não mais provar o desgosto da areia fina entre os dedos. Porque isso já foi.

Os passos adiantes são sempre como o primeiro e não hão de sofrer o desastre o peso a miséria e angústia de proceder os passos que já foram.

Começar e prosseguir; e o progresso, o próximo passo, é também o primeiro.

Passado, os passos se foram.
Foram, não mais outros serão.
Serão, mas não mais os mesmos.

08 maio, 2011

(sem título XXIII)

Ouçamos a madrugada,
o que ela traz,
o que ela espera.
Sejamos a madrugada, ou antes!

Sejamos a noite dos becos.
Sejamos, depois, madrugada.

24 abril, 2011

Jardim

Nada sobrevive ao outono.
Ao inverno, nada.
O esboço perpétuo do tempo
vingará a beleza das flores.
            Cortes de aço.

Insuspeita forma das estrofes raras
e das letrinhas ganhando vida,
cada qual rainha absoluta do fonético mundo leitor.

Riscos levarão aos abismos
e às metáforas perfeitas e ignorantes
para versos de sutil poesia.

06 abril, 2011

Da coisa tua

Nas tuas manhãs, o teto nublado.
Nela, teu sono, tua preguiça, teus pretextos.
Teu motivo para não levantar.

Ou tua luz plena, sol destemido.
Teu suor, teu sal.

Na tarde lenta e morna,
teu mormaço,
teu arrastar de horas.
Teu trabalho árduo pesando sobre os músculos.
O queimar da pele.

A tua lua sempre branca e cheia.
A tua noite estrelada.
Onde andas, o que vestes.
Teu banho.
Depois,
           teu comer, beber e servir.

Cada orvalho pela madrugada.

Só tua, enfim,
mulher e tudo o que queiras,
quando queiras,
até tua próxima manhã.

11 fevereiro, 2011

Sourire

Linhas tortas
curvas mortas
águas turvas
sortes todas


Noite linda de quem viu o sol nascer.

08 fevereiro, 2011

Nibbāna

Todos os ventos sopram em direção ao meu centro.
Todos os pássaros se alimentam em mim.

Flores nascem no caminho que trilho.

07 fevereiro, 2011

Zouk

Perna e perna sobre pernas.
Braços sobre os ombros.
Mãos, mãos, seios e pernas.
Ritmo. Suor e ritmo.

Dancemos!

30 janeiro, 2011

Sua

Sou sua porque nasci dos seus desejos.

27 janeiro, 2011

Do sal



Eu sorri para o horizonte
entorpecida de luz
e voos de andorinhas no verão.
Onda e areia de praia,
sal no corpo e no vento.
A maresia corroeu meus pensamentos,
O coração flutuante em espuma branca.
Eu sorri para as curvas dos corpos
e o ritmo dos barcos.

Quando voltei para a serra
não havia mais amor ou morte.
Trouxe a alma limpa,
tão plena e livre quanto jamais fui.
Estão em mim os horizontes e as luzes,
estão em mim as ondas e os mares.

09 janeiro, 2011

Cartas com Destino

À Diana.


Teu mal, preta, foi tentar ferir-me com minha lança quando eu já sangrava e disso não poderia mais morrer. E ainda, preta, ameaçou privar-me dos teus carinhos, quis ser cruel na distância, acusando-me de não valer a ponta cega de uma lança ou sua sincera devoção.

Se privar-me de ti é tua punição, aceito. Se apagar meu sol fará teu horizonte maior, ofusque o que brilha em mim. Teu mal, preta, é acreditar que eu acredito em tuas intenções. Podes maldizer-me. Eu ainda serei toda amor.

Preta, eu não deixei de estar contigo; apenas entenda, aceite. Eu a amo, isso deveria se estender para além da minha presença ou ausência. É vã tua luta com teus significados se o que deseja é deixar de ser eterna. Eu não a esqueci, tu também não me vais esquecer. Não o faça, não o tentes fazer.

Aceite minha natureza fugaz. Aceite que eu falho muitíssimas vezes onde a perfeição se faz necessária. Aceite que não consigo lidar com tudo o que sinto em palavras. Aceite o que eu não posso aceitar.

Eu não aceito teu adeus. Não aceito que queiras me deixar, não aceito que massacre, de forma tão leviana, o que sinto. Quando sentir minha falta, ligue-me. Mande uma carta, mande um e-mail. Mas não ameace abandonar-me, não seja tão rude.  Estou tentando ser feliz, estou tentando acreditar que mereço.

Voltei, Preta. Voltei para tuas farpas e teus doces, voltei para ser alvo de tuas afirmações. Voltei para que destruas. Feliz? Eu estou.  Porque voltei ao campo para duelar contigo, minha derrota e prêmio.