09 dezembro, 2010

Sonho

Todas as noites o pensamento verte,
antes do sonho,
e percorre a distância possível às pernas.
O espírito divaga no tempo sobre o tempo
até que dorme,
ausente do corpo,
assim como quando em vida.

Em todas as noites
a quintessência das almas transborda pelas narinas.

27 novembro, 2010

Palindrômico

R: desiludidos, vamos passar nossa noite assim?
T: não faz sentido. Deveríamos nos encontrar numa rua em tons de terra, sentar num pub indecente, escrever poesias no guardanapo sobre essa droga de amor que nos sustenta.
R: deveria falar horas sobre essa virtude que mais parece uma desgraça.
T: e beber toda a mágoa diluída em álcool.
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Para o Poeta.  

Seu rosto invadiu a memória aflita e guarneceu as paredes de uma luz pálida e tímida.
Sorriu.
E bastou para que o coração o quisesse para si.

Seu nome não é só feliz palindromia:
é o descer do rio sob a chuva intensa
e gotas e gotas que serão mar.
Lágrimas em gotas que serão mar no planalto.

Há mais melancolia que timidez no sorriso do poeta.
Seus olhos se fecham em sonhos,
as asas se abrem em vôo.
A cabeça deseja recostar-se em pranto;
os cabelos desejam receber afago.

No espelho, o poeta é ele mesmo:
aquele, de todos os ângulos, desconexo.
O poeta se perdeu no mundo,
mas está lá toda sua vontade de amar;
o desejo manifesto em verso o atormenta.
E sua poesia não é senão a minha
invertida no espelho:
Eu e Remer somos o mesmo poeta, desconsideradas as ortografias.

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Eu não lhe devo nada, poeta, nem este poema; todas as fogueiras e fagulhas que me foram acesas, todas elas eu deixei que queimassem e se consumissem. Eu sou um tanto estranha e, muitas vezes, incoerente naquilo que digo. Às vezes, a aresta é o único lugar que me cabe, eu me torno momentaneamente racional, eu analiso tudo o que penso, eu não digo nada. Eu me entrego ao mundo que construiram para que eu morasse; um mundo, no entanto, que não é meu, onde eu não sou, onde eu sequer existo. Lá eu fico até que um belo par de olhos doces me venha guiar pela luz, me encher de inspiração e ternura. Tantas noites eu voltei ao meu mundo pelas tuas mãos, tantas vezes eu me orgulhei de ser quem sou, mesmo sendo quem sou. Não se deprima, poeta. Não há nada além da vida, não agora. Ela é esta bem diante dos teus olhos, não há nada maior nem mais imediato que se possa apreciar. Seja livre na medida dos teus pensamentos, vá para o seu mundo. Lá, o planalto é bem pertinho da serra.

19 novembro, 2010

Meus nós

Nas horas
Nós três
Nos achamos:
eu que fui
eu que sou
eu que for

Nossos pés desapareciam sob a densa areia
e não víamos os passos
e não nos conhecíamos
porque nossos desejos eram outros que não os mesmos

Nos olhamos estranhos,
tão amedrontados pelo reflexo magnífico do outro
no espelho desfigurado do eu.

- Quando não existe mais ninguém além de si mesmo para questionar o que é dito
ou visto,
ou você se alegra de ser a mais bem aceita criatura
ou chora por não ter nada a dividir.

E antes que acordasse
os nós engoliram-se inteiros
sem que eu soubesse quem sobreviveu ao sonho.

11 novembro, 2010

{calmaria}

Dei passos sobre as nuvens e me feriram tal qual areia sob o sol. A chama ardeu-me os pés, e me acompanhou as nervuras, transcendeu a carne e feriu o peito cristalino, arrancou-me as asas. E pura foi a sensação de invadir o céu em profusão e desmontar todo o azul fosforescente dos caminhos do meu pensamento. De lá, vi o arder das cores vivas nos cabelos e nas peles.

Tudo o que arde vem de dentro, estala dentro. Pelos olhos embriagados, um matiz anil mergulha, desnorteado. O infinito na ponta dos dedos, desdobrando-se em oceanos por sobre a cabeça, fazendo chover um vitral sobre os cabelos. Também é celeste a estrela mais fria, mas também ela arde, também ela queima. O ardor, no entanto, passa com o vento. Vê como chega a calmaria? A paz é bem mais cruel na guerra inclemente: é induto da alma.

As letras descobrem significado, e também ardem. Mas nem toda poesia é sincera, assim como nem todo coração. E não importa quantas vezes seus dedos mergulharão as feridas, porque a dor simplesmente passa, teus fluidos secam; ou vem com ela a morte. Meus pés não se firmaram sobre a nuvem, que choveu. E me desfiz em lágrimas violetas, lavando o vermelho sangrento da mágoa sobre a cidade.

originalmente publicado aqui.

05 novembro, 2010

Xadrez

Linhas azuis e azuis e brancas
Azuis e azuis fazendo azuis
azuis e brancas fazendo outro azul
Branco e branco

O seu cabelo de corte estranho
de cor estranha e molde
estranho
As meias pretas da mesma cor do seu vestido
azul

Morrendo de inveja da moça do lado que veste de muito mais cores
e tem nas unhas rosas muito mais cores que sua visão poética
que não faz qualquer sentido.
Mas é preguiça.

O outro azul parece cinza
mas é azul
como o moleton do rapaz
que tem pintas no rosto
e um cabelo loiro bonito.

E é essa cor estranha do seu cabelo,
suja e distante.

Esse azul
não faz sentido. E não faz sentido
sua visão política.

Mas é só porque eu morro de preguiça.

Orla

Com o olhar ventando nos desejos, expôs a pele clara ao sol. Viu no mar o desenho mais completo do chamado 'infinito' e desejou morrer contando grãos de areia ou inundada de ondas bravas. A orla se cobria de espuma branca, um encanto ameaçado e injusto das cores, tantos tons indo e voltando, misturadas ao oceano. Eterno oceano.

Deitou-se e viu areia engolindo pele, ou mundo engolindo corpo. Não se podia limitar. Ventava suave, levantando a poeira mais fina. O sol se pôs e adormeceu na praia.

Tempo

Meu coração enfraqueceu de velho,
de velhos sentimentos estagnados,
de lógicas absurdas e egoísmos covardes.
Envelheceu de idade e tempo.

E não houve tempo para dar a Diana uma casa
com todos os sóis e chuvas
e um arco-íris
para seu coração.

Não houve tempo para rearranjar o mundo
e ver Mariana
esquilar por aí.

29 outubro, 2010

Do céu que há ao céu que entra

Não há como interpretar o azul
sem crer que haja sobre nós
um grande véu que se desfia
e nos descobre pela noite.

Pois não é azul o céu,
é infinito colorido.
Como não há céu-mar, lua-peixe,
nuvem-bóia, estrela-gente.

Não importa o que se vê,
mas o infinito que o olho não alcança.
O céu se veste de azul
e revela-se nu mais adiante.

Não há no homem infinitos
nem plenitude que, no infinito, caiba.
Há no homem a conta de tudo:
o tempo e o céu, explica-os, equivocado.

Mas há céu? É certo que há.
Há um imensurável céu
e vida, de possibilidades sem fim.
Um céu que entra no primeiro suspirar.

Ao que contempla, deslumbre;
contando estrelas, possível fosse.
Do céu que entra não sabe o homem:
um buraco negro lhe engoliu a vida.

Não é céu azul o que permeia dentro
tampouco o céu que regressa eterno.
No homem, olhos fixos e corpo firme;
e dentro, toda natureza de explosões.

Não é azul o céu, não tem matizes
mas azul é visto e nomeado.
Assim, ilimitado, é o ser que o abriga
enquando crê-se finito na pele.

01 outubro, 2010

Constelación de infantes - Perro en llamas


¿Cómo puedes tener odio a los perros,
con estos ojos carentes, que piden,
con estos colmillos saltones,
con este porte leso y borracho de San Bernardo?

Tus grandes y alborotadas patas
actúan conscientes, adestradas
tal como a un perro muy fiel
o quizá a un gato disimulado.

Pero eres tan perro que casi abana la cola,
me ve y ladra: ¡LELO!,
con un cariño sin vergüenza
de perro sin vergüenza.

¿Cómo puedes tener odio a los perros, señor perro?
Un buen, buen chico de raza grande y tonta.
Uno de los perros aquellos que derrumban
en un gesto de cariño desmedido.

De aquellos que lamen, sin pudor,
la boca del dueño.
De aquellos perros que pegan fuego
como a un perro en llamas.

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Escrito por mim e traduzido para o espanol por Juan Fiorini, professor de língua espanhola, revisor e editor, autor do livro Quase nada sempre tudo, e grandissíssimo amigo! Infinitamente grata, querido!

24 setembro, 2010

Tudo o que perturba

Eu vejo teus pensamentos quando te distrais,
eu entendo aquilo que é desvio,
eu sossego tuas angústias.
Eu não julgo tuas ações.
Apóio, e não fujo aos teus reclames.

Apesar dos teus esforços,
                          eu confio.
Eu aceito o que me entregas,
nada exijo além do que tenho
                          porque o tenho verdadeiramente.

- Isso é maior que todos os teus monstros
e mais perturbador que tudo o que já foi -

Eu não lhe dei decepções.

Eu não preciso me conter,
eu sou livre, eu choro.
Eu perturbo a tua alma porque lhe entrego a paz na bandeja,
não lhe causo problemas.

Eu não te amo, enfim.

18 setembro, 2010

Maria Helena's Day (30/30)

Esta homenagem, acreditem, é singela para a nobreza que ela carrega. Mas Maria Helena é assim, gentil demais comigo. Este carinho, portanto, é tudo aquilo que pude dar, é tudo que eu tenho, é tudo que eu sei fazer. Cumpro, dessa forma, a exigência feita: um presente feito à mão, um presente feito de coração.

E reitero meu amor agora. E a cada dia. Agora sim: FELIZ ANIVERSÁRIO!

Poema de sete faces - MariaHelena's Day (29/30)

 

---------------- Carlos Drummond de Andrade

"Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo."

Maria Helena em Cores - MariaHelena's Day (28/30)

Monty Python - MariaHelena's Day (27/30)

Alma minha gentil, que te partiste - MariaHelena's Day (26/30)

------------------ Luis Vaz de Camões

"Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,

Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou."

amigo - MariaHelena's Day (25/30)

amigo
a.mi.go
adj (lat amicu) 1 Que tem gosto por alguma coisa; apreciador. 2 Aliado, concorde. 3 Caro, complacente, dileto, favorável. 4 Dedicado, afeiçoado. sm 1 Indivíduo unido a outro por amizade; pessoa que quer bem a outra. 2 Colega, companheiro. 3 Amador. 4 Amante, amásio. 5 Defensor, protetor. 6 Partidário, simpatizante. 7 Aliado. Antôn: inimigo, adversário, antagonista, contraditor. Sup abs sint: amicíssimo. A.-da-onça: o que, ao invés de ajudar e beneficiar, atrapalha e prejudica. A. de Peniche: o que não é certo. A. de saias: dado a mulheres. A. de seus amigos: o que se conduz como verdadeiro amigo. A. de todo o mundo: o que é amável para todos, sem ser amigo de ninguém. A. do alheio: ladrão. A. do copo: beberrão, cachaceiro. A. do peito: amigo muito querido. A. urso: o falso, o desleal, que procede mal para com os que o julgam amigo. A. particular: amigo íntimo.

Linda - MariaHelena's Day (24/30)

Reflections of a Skyline - MariaHelena's Day (23/30)

Virgem - MariaHelena's Day (22/30)

A tua vida é pura
e eu não sei bem onde me encaixo nela
mas eu estou aqui.
Eu me deprimo
e tantas vezes repito que não mereço...
eu quase acredito.
Mas teu amor me faz um tanto melhor,
sem que eu precise ser outra.

Hush Hush - MariaHelena's Day (21/30)

Recherche - MariaHelena's Day (20/30)

Investiguei teus olhos a procurar por mim e me encontrei tantas vezes e de tantas formas que já não sei quem é aquela que vejo no espelho. Nos teus olhos, porém, me reconheço inteiramente.

Muito amor - MariaHelena's Day (19/30)

Jot Prakash Kaur - MariaHelena's Day (18/30)



Sobre Maria - MariaHelena's Day (17/30)

Quando encontro me vaga, Maria ocupa-me de nomes que não me fazem qualquer sentido. Martela-me a cabeça de dúvidas e me aborrece, inocente, quando tenta me ensinar. Maria, no entanto, em muito mais vezes me enche de alegria e comoção quando me ignora e me constroi a mesma outra de mim.

Esquiva - MariaHelena's Day (16/30)

Não se percebem seus olhos contra a luz
nem rompe com a desigual ventania um suspiro seu.
Cada passo,
entretanto,
revela mais do que poderia uma tarde inteira
ou todos os olhos brilhantes que te observam do céu.

O que mais encanta,
de tudo,
é que tu existes, simplesmente.
Mas a vida é pouca
e dela se cansa tão logo começas a viver.
Teu avesso mais rude encontra em ti mesmo abrigo.

Esconde,
rejeita,
ignora-se em misérias.

Fantasia-se,
veste-se,
encara-se: está nua.

Despir-se é tua necessidade poética.

Receita de Mulher - MariaHelena's Day (15/30)

-------------------- Vinícius de Moraes

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebal
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

Milimétrico de amor à amizade se aplica - MariaHelena's Day (14/30)

Amar a ponto de plagiar amor
de não saber amar
de ter que copiar.
Criar e administrar a transformação livremente
e até ser demente,
sendo o outro também.

Amar a ponto de não se importar
se é mesmo verdade
ou só ilusão.
Amar sem porque
ou porque é melhor,
porque é mais caro deixar-se amar.

Amar, pois não há outra opção mais honesta.
Ou é isso, ou é ter religião.

We Are Golden - MariaHelena's Day (13/30)

17 setembro, 2010

Libélula - MariaHelena's Day (12/30)

Tu nasceste ninfa
e decidiste voar
ser no lago dos delírios
a libélula majestosa.

Inaugura a vida
donzelinha rasante
linda menina de alas furta-cor.
Coram as régias vitórias
com a audácia de seus vôos,
contemplam desejosas
o bater se suas asinhas.

No reflexo da lua,
peixes famintos brincam
a devorar sua infinita sombra.

Criança absoluta,
no trono, princesa,
fada doce,
estrela quente.

Qu'importa o teor dos seus dias mais amenos?
Qu'importam as águas, o mangue ou a brisa?
Que triste importância tem outras vidinhas
que nem de voar precisam saber?

A menina libélula passeia no tempo
e vaga no nada
sem mais que pensar

Só ser leve
Só ser só

No pouso, amargura.
Derrama o corpo sobre a natureza, vítrea libélula.
Vive um só dia.
Já foi, já vai.

Adormece libélula,
morre libélula.
Renasce amanhã
cada vez mais libélula.

Para o meu encanto, enquanto há - MariaHelena's Day (11/30)

Eu posso imaginar um alguém que me ame com carinho e até um tanto de devoção.
Um alguém a quem eu ame da mesma devota forma.
Que a pele seja suave ao toque.
Que o perfume seja único, leve, natural. Mas ainda inebriante, sedutor.
Alguém cujas palavras sejam doces.
Um alguém que me inspire. Que me respire.
Alguém cujo abraço seja leve como uma brisa e tão intenso, inevitável e irreversível quanto deixar-se levar por um tornado.
Que seus olhos sejam meu desejo revelado.
Que seus traços sejam o meu reflexo e seus braços sejam o meu abrigo.
Eu posso imaginar.

Eu nem preciso imaginar.
Tu és minha amiga incomparável,
a qual eu amo por uma infinitude de razões e,
ainda assim,
inexplicavelmente.

Desculpe-me, meu amor,
por estas palavras imprecisas.
Se aproxima, no entanto, o dia em que sua presença não mais será constante e meu peito está arrebentado.
Queria, enquanto posso, dizer-lhe o quanto te amo,
o quanto é tanto,
o quanto pra sempre o será.

Eu Nela - MariaHelena's Day (10/30)

Discurso - MariaHelena's Day (9/30)

-------------------- Cecília Meireles


"E aqui estou, cantando.

Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.

Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.

Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.

Pois aqui estou, cantando.

Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?

Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?"

Madalena - MariaHelena's Day (8/30)

Simplesmente linda. Quando colore-se, irradia tal qual um cristal atravessado pela luz. Uma beleza simples toma seu rosto e percorre seu corpo tão naturalmente que nela não se encontram traços de estranheza. Defeitos minuciosos, visíveis e calculadamente distribuídos lhe dão uma imagem tão bela quanto doce, uma perfeição em suas imperfeições.

Ela, no entanto, não aceita estar onde está: Madalena não admite a sucessão de caminhos que a vida lhe impôs e o tom injusto com o qual cada amor lhe é apresentado e, em seguida, retirado. Expõe-se, vergonhosamente, quando assemelha-se demais aos demais. Todos sabem, como ela, que distanciar-se da humanidade é uma maneira de analisá-la criticamente, para depois reconhecer-se.

Sua lágrima é constante e desesperada. Quem a vê em prantos atesta a teimosia de Madalena em aceitar sua dor, enquanto a face contrai-se de ódio do fatídico rio que lhe corre a face e cora as bochechas. Relutante, respira fundo, ameaça-se inconscientemente e sorri. Uma dor qualquer não faz sentido algum.

Madalena decreta o fracasso sem que antes haja tentativa. É uma forma de eximir-se do sofrimento antes que ele venha e lhe tire o sono pela noite. Então sonha com o que não houve e com o que não haverá, sendo ela tão digna de ser aquilo que quiser.

Carta - MariaHelena's Day (7/30)

-------------------- Carlos Drummond de Andrade

"Bem quisera escrevê-la
com palavras sabidas,
as mesmas, triviais,
embora estremecessem
a um toque de paixão.
Perfurando os obscuros
canais de argila e sombra,
ela iria contando
que vou bem, e amo sempre
e amo cada vez mais
a essa minha maneira
torcida e reticente,
e espero uma resposta,
mas que não tarde; e peço
um objeto minúsculo
só para dar prazer
a quem pode ofertá-lo;
diria ela do tempo
que faz do nosso lado;
as chuvas já secaram,
as crianças estudam,
uma última invenção
(inda não é perfeita)
faz ler nos corações,
mas todos esperamos
rever-nos bem depressa.
Muito depressa, não.
Vai-se tornando o tempo
estranhamente longo
à medida que encurta.
O que ontem disparava,
desbordado alazão,
hoje se paralisa
em esfinge de mármore,
e até o sono, o sono
que era grato e era absurdo
é um dormir acordado
numa planície grave.
Rápido é o sonho, apenas,
que se vai, de mandar
notícias amorosas
quando não há amor
a dar ou receber;
quando só há lembrança,
ainda menos, pó,
menos ainda, nada,
nada de nada em tudo,
em mim mais do que em tudo,
e não vale acordar
quão acaso repousa
na colina sem árvores.
Contudo, esta é uma carta."

Devota - MariaHelena's Day (6/30)

Tomo a palavra para dizê-la
e, assim dizendo, digo ainda que é poesia
porque aqui está seu sorriso.

E é também poesia minha vida
desde que sua presença tomou-a.
Sua existência fez, de mim, poeta.

Sua existência fez, de mim, devota
dos olhos cercados de luz,
das profecias que justificam meu instante.

Eu amo tanto, a amo tanto
que não haverá ainda tempo para manifestá-lo
e dizê-lo jamais caberia em mim.

E se seu alterego fosse um caramujo? - MariaHelena's Day (5/30)

Bichinhos de Jardim - de Clara Gomes
Caramujices Ilustradas de Maria Helena

[clique nas imagens para ampliar]


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Canção da alta noite - MariaHelena's Day (4/30)

-------------------- Cecília Meireles

"Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.
Andar, andar que um poeta
não necessita de casa.


Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.


Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.


Andar... Perder o seu passo
na noite, também perdida.


Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.


Andar... - enquanto consente
Deus que seja a noite andada.


Porque o poeta, indiferente,
andar por andar - somente.
Não necessita de nada."

Girls just wanna have fun - MariaHelena's Day (3/30)

10 maneiras de dizer o amor - MariaHelena's Day (2/30)

01 - Você iluminou meus olhos e inventou meu sorriso.
02 - Cuide-se naquilo que puder, que eu cuido da sua parte que é minha.
03 - Você não me deve nada.
04 - Eu te devo toda minha alegria dos últimos tempos.
05 - Serei sempre sua brisa, sua ventania.
06 - Passarei a vida me desculpando por tê-la deixado triste.
07 - Vá para Oz, Dorothy!
08 - Me carrega com você.
09 - Obrigada por tudo.
10 - Eu amo você. Também.

Diva Stella - MariaHelena's Day (1/30)

Estavam meus pés sobre a lua
                    e minha cabeça na lua
enquanto vagavas distante no universo
                              entre as estrelas.
                    Foi quando brilhou uma luz,
          a tua,
maior que a de qualquer uma delas. E eu brilhei.

Sob teu signo eu construo meus caminhos
e agrego à minha solidão tua imensa vida.
Eu poderia correr sobre o penhasco
se teu olhar é meu guia mesmo além da curva.


E, porque não cabe em nós tanta esperança,
seguimos continuamente paralelas
a querer nos tocar no infinito.

MariaHelena's Day (0/30)

     Talvez quem frequente este blog com alguma assiduidade já esteja acostumado às intensas manifestações de amor aos meus queridos amigos. Não é que eu seja uma amiga, assim, tão dedicada; sou, na verdade, uma grande egoísta: eu alimento a alma de quem alimenta a minha.

     Seria isto desmistificar o amor? Talvez seja. Mas é também realizá-lo na dimensão do compreensível, e por isso, também, ser mais fiel a ele. Amar de verdade.

     Hoje, alguém que eu amo comemora 30 anos. E eu comemoro junto porque sua presença na minha vida só tem trazido alegrias. Como ela foi exigente em relação ao presente, parte dele será entregue por aqui. Até amanhã serão 30 posts (textos meus e alheios, imagens e fotos) dizendo à Maria Helena o quanto ela me faz bem, o quanto ela faz bem ao mundo, o quanto... enfim!

Parabéns, Caramuja...

09 setembro, 2010

Balada dos teus olhos

Eu não falo dos teus olhos porque são belos.
          São olhos como quaisquer outros
                    que qualquer outro poderia ter.

Falo dos teus olhos porque são meus amigos
          e
enquanto tua boca defende tuas razões
          teus olhos me amam,
                    involuntários.

Teus olhos não mentem teu desejo
          que tua boca nega
                    e refulga.

É quase certo,
          meu amigo,
que teus olhos sejam mais alegres
          e infinitamente mais sorridentes
                    que os meus.

04 setembro, 2010

Segno

Maldita seja sua pedante boca
palco vil da minha derrota.
Não poderia denunciá-lo
nem fazer-me sua vítima
se antes do golpe
já me havia apresentado todas as suas armas.
Não posso culpá-lo
se fui em quem entregouo peito aberto ao fuzilamento.

Que seja hoje
- o dia do meu fim -
o fim de tudo.

03 setembro, 2010

Amiúde amor

Eu poderia não saber onde as escolhas me levariam, mas sempre soube onde eu iria com você. Aliás, ainda que eu não soubesse, pouco importou: eu só queria ir onde você fosse. E isso bastava imensamente. Você me possuiu da maneira mais completa, porque eu nada precisei te dar. Um beijo e você me tomou inteira, e eu não era nada, senão sua.

Não vou questionar, aqui, questões de reciprocidade. Aprendi, de mim, que o amor parte de um lado amante. Aprendi, de você, que o amor não existe. Mas amei, por nós dois, numa infinitude ímpar, numa cumplicidade par. E, não tendo me queixado nunca, não o farei agora. Já tive minha cota de insatisfação contigo, quis odiá-lo por me sentir traída - como, de fato, fui -, mas minha mente acabou por lhe dar razão. Porque, antes de tudo, você me satisfez.

E eu ainda te amo. Apesar de nocivo, você me deu os melhores dias e noites que uma mulher poderia sonhar. Os seus beijos são ainda uma lembrança latente, minha boca ainda sente a textura da sua. Das marcas que passaram, ainda sinto o cravar dos seus dentes nas minhas costas, as mãos inquietas e perdidas entre seios e quadril. As indecências carinhosas ao pé do ouvido, ainda as escuto todas. E arrepio, porque ainda sua respiração me acorda na madrugada.

Hoje, minha luta é comigo. Meu ódio é interno, minha insatisfação é interna. Eu prometi fazê-lo meu e não o fiz. E nada valeram meus esforços: apesar de todo seu empenho, eu jamais fui seu amor. Culpa minha. Eu perdi a paixão mais intensa, perdi a exclusividade do seu território (se alguma vez a tive). Só não perdi o amor, porque você o fez irracional. E eu guardei, como segredo, sua continuidade. É minha, para que eu possa amar por toda a vida.

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Este post é uma encomenda, por assim dizer, de um amigo. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Ou não.

31 agosto, 2010

#BlogDay

Blog Day 2010

Àqueles que me fazem sentir como se merecesse ser feliz.

http://barulhodetrem.wordpress.com/
http://kleidoscopio.blogspot.com/
http://chcmf.blogspot.com/
http://viniciusremer.blogspot.com/
http://mantrasdeoutono.blogspot.com/
http://odeavida.blogspot.com/
http://dicaborges.blogspot.com/

30 agosto, 2010

Lobotômica

Chegou o drama
sem que houvesse dor latente
para justificá-lo.
Apropriou-se da lágrima
para nela ser manifesta.
Quando passa a agonia,
porém,
nada resta que não a consciência clara e desnecessária do tempo que foi perdido
por um dia,
a cada dia,
sem que o próprio reflexo se deixasse morrer.

Chegou o sonho
sem que houvesse olhos abertos
para acompanhá-lo.
Apropriou-se do sono
para nele ser manifesto.
Quando passa a noite,
porém,
nada resta que não a vaga lembrança do inédito e incontrolável delírio perdido
por uma noite,
a cada noite,
sem que a própria existência se deixasse existir.

27 agosto, 2010

N. o A. -2-

Ando dispersa nos seus lábios,
no que me dizem, na sua risada.
Eu me distraio com tanta informação
que você, seu insuportável, me dá.

Não é culpa minha seu devaneio
de enriquecer meu ego, de enfeitar-me.
Sou eu quem, agora, substituiu o vazio
pela curiosidade perdida dos teus olhos.

É que eu ando dispersa também nos seus olhos
e nas curvas do teu rosto largo.
Me distrai, sem volta, na sua barba por fazer;
enlouqueci, seu cretino, só por diversão.

N. o A. -1-

Guardei palavras tão doces para meus dias ruins
e agora você me vem roubá-las.
Porque meu coração está vazio e você o toma
e me faz feliz. Irresponsavelmente feliz.

Meu querido, não faça assim:
não me devolva o carinho que lhe presto.
Não me deve, nada te devo.
Nós entristecemos e isso também passa.

Só não me seja tão bom, querido amigo,
que eu derramo de verdades incoerentes;
que eu te faço carregar as minhas pedras
e corro todo o risco, sozinha, de me apaixonar.

Deixa assim, como tem sido
com sorrisos viciosos e insensatos.
Não me peça beijos que já são seus:
leve-os, leve. Depois morda os lábios.

Depois me morda os lábios
E me deixe ser sua prisioneira oculta
que ao final do dia - eu prometo - digo:
Eu sou feliz! Ah, eu sou feliz!

07 agosto, 2010

Abstracto

Meu coração está em silêncio: o pulso é fraco.
Não é morte, não é fome, não é frio.

Também está muda minha boca: não falo, não grito, não sussurro.
Afonia incógnita, delirante.

Meus passos: todos calados. E não é peso,
não é dor, não é preguiça.

A vida está(tica) todo o tempo no mesmo ponto do destino.
São, por fim, os pássaros que chegam até mim,
me fazem ninho,
alimento.

Tracto

As diferenças tantas entre os olhares
se perdem, cidade lenta.
A vida progride em espaços brancos;
cada vão inerte guarda o nada de cada um.

E nada: sequência de passado e futuro cujo presente não faz senão produzir esperanças.

Tudo move tão claro diante dos olhos
nada ou muito pouco exige de quem vê.
Sabem as flores colorirem-se no escuro
e o sol, todos os dias, sabe trabalhar sem recompensa.

E por que? E por que não?

02 agosto, 2010

Memória

Eram tão lindas as flores
e tão belo o perfume e...
ah!
que belos dias nasceram
um após o outro!

Depois, tanto sonho!
Ora utopia errante,
ora realidade assídua,
ora devaneio monstro.
A vida em telas,
em torres,
em fios.

o colo delirante, mito.
antes a tirania do peito sobre a vida,
mas também disso a alma se arrependeu mais tarde.

esta heresia chamada saudade
celebra tempos vazios:
manhãs e tardes que nunca foram noites.

01 agosto, 2010

Suficiente (ou Autoexplicação para a Miséria Sentimental)

Minha cabeça pensou tanto tanto tanto
para escrever tanto e tanto tantas linhas
que dissessem o quanto eu estou tão tão
insatisfeita em viver tanto e tanto para
você.

No fim eu apaguei tudo tudo tudo porque
não posso admitir justificativas ainda que
coerentes para que eu te deixe e, tudo
bem, a culpa é minha.

30 julho, 2010

(sem título XXII)

Muito mais estrelas divididas
e
não!, ninguém viu.
O grito foi mais fundo que a espada
roupas rasgadas ao pé da cama

não foi esta a cena que imaginei.

(sem título XXI)

Flamejantes verdades se acendem no decorrer da noite.
A alegria justificada não demanda paz, sequer motivo.
A vida acontece
breve, calorosa e tardia.
Luminescente incógnita cujo tempo é o instante do agora.
É mais fácil sobreviver morando em um bolso que em um coração.
Melhor não ser nada no mundo,
melhor não ter foco.
Melhor deprimir que amar.
Melhor silenciar.
A poesia está além da perspectiva invisível, a poesia não é subjetiva.
Mais que a lembrança (e)terna,
surge o riso e o sorriso indecente diante da injúria.

A vida não acabou,
mas bem que poderia.
Cada passo diz bem mais que uma tarde inteira, mas não é tudo.
É um registro eterno do que morre
e de só fazer sentido enquanto morre.
Mas é esta a certeza que falta à vida, o avesso não é a morte.

Passarada

Sê-de poeta

São tranquilos os passos inconscientes
que não buscam no chão o passo seguinte,
que não perdem o caminho ou não importam-se em perder,
que sentem o chão como nuvens vazias,
ue tropeçam e caem, sem perceber.


Os pássaros, mudos, invejam o andar.
Com que plenitude poderiam fazê-lo?
 
 
O teu olhar em cacos
e a paisagem em cacos.

Os teus lábios em cacos
dizendo palavras em cacos.

Teu coração em cacos,
teu amor em cacos,
tua esperança em cacos.

Tu és um todo despeçado sobre um íntegro vazio.
 
 
O poema se vestiu de nuvem
e no horizonte adormeceu lilás.

E o frio que seguiu foi culpa do vento:
espalhou a poesia em gotas
.


d'aqui.

25 julho, 2010

Pedaços

Recebia da Diana uma missão: mostrar meus pedaços. Aqui vão eles:

Quem sou eu


O que me faz sorrir



As minhas cores


Minha melhor lembrança


A música


O filme


O livro


Um pecado


Um cheiro


Um sonho




Repasso, então, a brincadeira à amiga Mariana.

(E Diana pode ser vista ainda aqui e aqui.)

24 julho, 2010

Bit

Seus olhos não são como janelas. São como jaulas.

23 julho, 2010

Prefácio do amor

Dizer o que sente não basta:
sempre se questionará da verdade dos olhos de quem diz e...


(silêncio)


por mais que tente,
não há nada que diga algo
que não a boca
em que não confiam.


(suspiro)


Dizem que deve-se querer em atos e amar em essência,
mas os atos são mudos e...


(lágrima)


basta confiar nas raras palavras
se desejar,
de alguma forma,
ser amado.


(suspiro, suspiro)

22 julho, 2010

Página

Quando desenho tuas pernas, estas enlaçam meu pulso antes que eu chegue a acariciar teu ventre à caneta. Depois de alguma diversão surgem, na ponta, teus mamilos sensíveis e rijos. Não vejo teu rosto, que ainda não o fiz, mas tuas pernas retorcidas me demonstram a volúpia dos meus toques.

Faço-te os braços, mãos e pequenos dedos. Contorno tua face e, mal surge tua boca, dela escuto um gemido contido até então.

Teus olhos inauguram-se estrelados e me seduzem enquanto eu, cuidadosamente, desfio teus cabelos em fios longos de tinta.

Completa e saciada, és agora a figura de mim.

21 julho, 2010

Minha criança, meu menino.

Um tanto tarde chega esta despedida, e eu justifico dizendo que desisti de algumas palavras que já foram ditas e de outras que já não cabem mais.

Mais que que me ocupar, tua presença me levou a caminhos desconhecidos. Senti-me desbravadora e, muitas outras vezes, uma criança sozinha na mata. Foram tuas mãos que me levaram até lá. Hoje, vejo todos os detalhes como quem assiste a uma cena, distante. Vejo seus olhos. Vejo grandes e brilhantes farois fitando-me, investigando a proporção das minhas verdades e, em verdade, pouco interessado nas verdades mentirosas que eu insistia em revelar. Eu já havia sido revelada, mas me dou conta somente agora.

Minha maturidade se jogou do topo da tua inocência. Deitei no teu colo e fui eu a menina sem passado que nasceu ali, só sua. De muitas formas, meus sentimentos viajaram pelos teus; alguns, jamais regressaram.

Ao tentar transformá-lo, eu me esqueci de cravar os pés no chão. Vazia de tudo, voei nos teus braços. Tu vais e, entendas, eu estou caindo. Doi, porque não sei de onde parte o abandono, por tê-lo abandonado antes, sem saber do que viria depois. Eu ainda sinto tua presença, ainda que tua ausência me venha bater à porta.

Sobre minhas últimas palavras, foram sinceras. Eu te amo.

19 julho, 2010

Não há de ser nada

Não há absolutamente nada de errado contigo:
teus olhos vêem,
tua boca fala,
teus ouvidos escutam.
Na dúvida, conferes:
tua imagem reflete ainda.
Tu existes.

Não há de ser nada, pequena.
Mas suspira.
Suspira que não será hoje o fim,
nem amanhã,
nem dia qualquer seguinte a este.

Não cabe em tua dor uma razão.
Não cabe em tua palavra uma razão.
Não cabe razão em ti, pequena.

Não há de ser nada o que tira o teu sono.
Não há de ser nada tua angústia.
Não há de ser nada.
Absolutamente, nada.

06 julho, 2010

Miss LadyBug

Risonha, serena, a joaninha vive onde procura abrigo.

A Joaninha mora em lugar nenhum.

Explode de amargura dentro de sua carapaça colorida.

Sabe-se que seu coração não existe, mas que diferença faria se existisse?

A joaninha não chora, a só voa:
mora sozinha no jardim de ninguém.

Pequena,
quem foi que perguntou-lhe se queria ser graciosa?
E quem foi que escolheu?

A Joaninha cansa-se de si.
Recolhe suas asas.
Fecha a carapuça.
Nada busca, mora em si.

25 junho, 2010

Enganatriz I (ou Ces't moi)

Toda ela é um equívoco
moldada de podre afeto.
Pobre dela que se conhece
que sabe quem é, que convive consigo.
Pobre dela que dorme e que sonha
e que só dela fala, só ela vê, só dela lembra.

É toda ela um esquivo capricho.
Fraudulenta vida, escamoteadora de si.
E tudo nela é soberba, exagero.
É uma mentira maqueada. De mentira.

Não há de ser grande nem em delírio!
- disso sabendo, põe-se a morrer.
E afoga-se nas inconvenientes bobagens que diz.
Mais uma vez chora.
Mais uma vez chora.

Silêncio.

Quando cala-se, percebe o pulso.
Não morre, não morre.
Mais uma vez chora.

Mais uma vez chora.

20 junho, 2010

Fome cega do amor (idem)

Olhos fechados, ela e ele.

Mas só depois que ambos se olharam ternamente e pareceu-lhes sensato que o toque fosse logo e que somente conseguiriam sentir o toque do outro quando fechassem os olhos (posto que a imagem que viam era profundamente perturbadora e a mente não poderia, ainda que quisesse, ocupar-se de outro sentido).

Sincrônicas, mãos se tocaram. E como que se de olhos abertos, dedos percorreram dedos e curvas e braços. Arrepios.

Ela, delicada, subiu a mão esquerda pelo antebraço, bíceps, ombro, até as costas, onde cravou-lhe as unhas. Desfez-se da pressão enquanto descia-lhe a lateral do abdômen, depois subiu os dedos levemente até o tórax, onde encontrou seu par direito.

Ele, ardente, subiu-lhe o braço direito pelo mesmo caminho, até os ombros. Depois, encaixou a mão em sua nuca e prendeu os dedos entre os cabelos, enquanto a mão destra apertava-lhe o ventre contra o seu.

Ofereceram-se em banquete, cada qual pela fartura do outro. Engoliram-se de tesão, mastigaram-se mutuamente. Comungaram-se. Cada vez mais força, mais desejo. Beijaram-se infinitamente naquele instante: ávidos, ansiosos, famintos.

Saciaram-se, mas então foi a gula. E não mais de fome se consumiam: a necessidade era do paladar. Seguiram - como até agora estão - beijando-se.

Olhos fechados, eu e você.

16 junho, 2010

Carmim

É um vermelho quase rosa príncipe-negro.
Talvez um pouco menos aveludado.
É como uma tulipa pela manhã
ou ainda um sangue corrente.

"É a cor do amor!", gritaram os sem-razão.
E sem razão bateu o peito, não sabia do que se tratava.
"O amor tem percorrido grandes distâncias para saciar-se", concluiu solitária.
Não sabia se ria ou chorava.

07 junho, 2010

Plangente

Na janela, espera.
Que propício lugar para matar-se aos poucos,
que ocasião notável para estripar-se.

Ela cortou o peito e deu-lhe o coração, não vês?

03 junho, 2010

O que eu quero contigo

Quero conhecer-te.
Quero que se apaixone pelos meus olhos através dos meus óculos vermelhos.
Quero que o nosso primeiro toque seja como um vulcão, e nossas primeiras palavras se engasguem.
Quero que você me deseje timidamente com o olhar.
Quero que nosso primeiro beijo seja acidental, mas que evolua para uma loucura maior, que sejamos tomados pela volúpia, que nosso corpo não caiba mais em desejo e que sejamos um do outro pelo instante de uma tarde maravilhosa.
Quero o pôr-do-sol mais lindo que sua cidade puder oferecer.
Mais entrega. Quero você adormecendo no meu peito. Eu acordada, sem acreditar.
Quero ver o sol nascer. E um dia p'ra lembrar por toda a vida.

02 junho, 2010

Diana do peito meu

Todo dia, meu amor,
vigio teus passos.
Busco, adiante,
as novidades de tua existência distante.
Acompanho tua poesia
para que tenhas um lar aconchegante
e tua voz possa ecoar além do teu espírito.

Dedicar-me a ti é uma forma de apagar tua ausência.

Diz-me, agora,
como posso ainda viver sem ti?
Encontremo-nos, Diana,
para que meus olhos lhe fotografem,
e eu registre teu tempo,
e eu percorra tua vida através dos teus sonhos.

Quero enquadrar-te no infinito onde sequer cabe minha saudade.

Quero estar contigo, vê-la piscar;
dobrar ondas na orla baiana,
criar furacões dentro de mim.

01 junho, 2010

Anoitecer

Como é triste e constante a noite dos teus olhos.
Chove sempre,
caem estrelas no jardim do meu ventre.
Está quente, agora, amor.
Deita.
É noite e teus olhos vão dormir.

E, sem qualquer esperança,
teus dedos correm meus cabelos.
"É noite", dizes, "deita comigo".
E teu toque de leve brutalidade
encaixa nossos quadris.

Dorme, amor, que já é tarde.
Dorme, que eu não posso mais.

Mas teus olhos anoitecidos não mais me vêem
e, cego, tuas mãos me examinam.
"Deixa-me anoitecer contigo,
penetrar a madrugada e
adormecer em ti".

Contra a poesia eu não resisto:
anoiteço.

30 maio, 2010

Faminta

Ando faminta,
garfando o peito vazio.
Meu coração não é senão uma tigela rasa
e todo amor que nele estava
eu já comi.

Eu já comi e estou faminta.

Vago, dolorida,
mendigando o peito alheio.
Passo com os olhos carentes
e quem me vê sente um pena desgraçada da minha desgraça.

Já me foram todas as tripas e vísceras.
Nada de amor me resta.

Meu estômago fundo: não tem feijão.
Minha cabeça afunda: está vazia.
O meu peito aberto: solidão.
Sofrimento, ao menos, p'ra poesia.

26 maio, 2010

Eis-me aqui

Por conta d'água que me trouxe e fez de mim sonoro passo;
por conta d'ele que me amou mais agora do que antes;
por tanta conta feita e abraço dado sem tamanho;
por tanto aperto bobo e, agora, dia livre;

É por tanto tempo juntos sem estarmos de mãos dadas
e porque agora entendo de onde surgiu esse amor;
por cada dia triste e alegre que virá, que seja;
por ter, agora, o que celebrar no peito:

Eis-me aqui em repleta paz por existir, mas não apenas!
Eis-me assim pelo que sou nos olhos outros,
pela aura brilhante com a qual me sinto,
por poder o que quer que seja. E será.

Por tanto ensaio do que já é feito, por tanto medo de fazer;
por tanto engano e, agora, acerto; por entender;
porque sei agora de onde vêm as culpas:
Eis-me aqui pronta, plena e feliz.

16 maio, 2010

Ao poeta

Divagar, poeta? - Despautério! Não é possível fugir da insanidade. Tudo o que nos preenche - assim como o que nos esvazia - há de apagar-se.

Só não sei dizer das ilusões. Acreditava, ontem, no que não existe, hoje. E já não sei se, de fato, deixou de existir ou se, simplesmente, jamais foi - mas como sabê-lo, poeta? E toda a culpa por ser mercadoria não se dissipa, porque, ao contrário, edificou-se. É, agora, como um membro que eu carrego e, às vezes, até aprecio.

Tu falaste da fome de ser. E eu tenho fome de ser o mais desejável dos seres. Mas estando longe de qualquer apreciação, eu tenho fome de ser o mais repugnante indivíduo, e que meus olhos não sejam mais vistos, que minha pele não seja tocada, que eu não seja aceita em lugar qualquer e que sequer, no mundo, saibam meu nome.

Sendo fácil, poeta, eu morreria. Banalmente, deixaria-me ser levada ao desastre, para que, aos que ficassem, não restasse muita dor ou muita justificativa. Mas o que impele o indivíduo a agir é a possibilidade de arrepender-se descaradamente. E na morte, creio eu, não há como arrepender-se. E sei que meu instável coração não deseja meu fim, tão logo.

Por que, então, poeta, esta gula? Por que esse desejo de explicar-se compulsivamente, descortinar o outro e agregá-lo ao peito? Por que querer amar amar amar? Ignoro.

Pensemos na vida, poeta. Desgraçado fardo ao qual nos apegamos sem limite, e para o qual criamos regras e valores tão absurdos quanto o próprio acidente trágico que é a vida - miséria esta pior que a morte. Não, poeta, eu não vou encerrar minha vida nesta carta. Para matar-me, se o fizesse, não haveria qualquer palavra. Eu guardaria meu último suspiro num silêncio. Não é o caso.

O que invade-me é a recusa de aceitar a vida. Mas veja a demência do que digo: que ironia, poeta, rebelar-me contra o que me mantêm em movimento para rebelar-me! Sequer faz sentido!

Parece-me, poeta, que sou exilada da vida da vida e a enxergo como o vento, sem lugar. Sem encontro.

Eu chamaria o que sinto de melancolia. Tão vazia me sinto que qualquer olhar encanta-me, qualquer elogio seduz. E onde estão, poeta, meus sentimentos? E onde ficam os teus, meu poeta? Onde está o juiz que condenou-me a julgar? E qual carrasco fez de mim tão irracional? E quem tem culpa, poeta, se sou eu o juiz e o carrasco, quem condena e quem executa a pena?

Poeta, eu estou cansada. Cansada de distribuir amor como quem doa roupas velhas ao necessitado, mas também ao burguês preguiçoso. Não recebo nada do que distribuo, mas há aí outra incoerência: Se tanto desejo amor, porque dou todo o que tenho?

Disseram-me, poeta, que preciso de mais amigos. Mas não é disso que preciso, jamais os tive. Eu não sei, em mim, ser amiga; só sei ser amor. E por isso amo tanto e tanto, insanamente, sem medo e sem pudor. Amo de várias formas, mas todas são, eu garanto, amor. Mas, dessa inconsequência ,eu carrego, quase que de imediato, uma dor. Sou fadada a esquecer, porque as pessoas passam, fugazes, deixando em mim um reflexo do que eu sinto, não do que são.

Encerro, poeta, desculpando-me pelo desconforto de ler-me desconexa e amargurada, mas sei que teu bom coração há de querer-me bem, mesmo quando do fim desta carta. Grata por ter chegado até aqui, eu e você.

12 maio, 2010

Para que você entenda o que eu quis dizer

A quem merece mais da vida do que o que tem recebido até agora.

Não é bem aqui que eu queria estar. Eu queria estar aí, com você. Sei que te faço bem, sei que te faço rir, eu entendo seus problemas e te valorizo como ninguém jamais fez. Estranhamente, você parece querer algo que eu não tenho ou jamais terei, não importa o quanto eu me esforce. E, gentilmente, você diz que o problema está em você e não em mim.

Das maneiras mais gentis que eu conheço, procuro mostrar o quanto me importo com sua felicidade, para que nada comprometa o que nós já construímos, e não se chama amor. No entanto, eu me sinto infeliz e frustrada. Nada mais me vem à cabeça que não seja você. E eu queria tanto, tanto, dizer isso sem me sentir uma idiota depois, mas é inevitável. Eu só vejo seu rosto, só sinto sua pele, só espero por você.

Outras tantas coisas acontecem no meu mundo, mas nenhuma delas faz tanto sentido. A elas, distribuo valores aleatoriamente, como forma de desvincular minha cabeça do meu pensamento mais constante. Eu tento detestar o que você diz, às vezes. Tento te achar esnobe, frívolo e demente. Tento me desviar quando dói muito. Mais demente pareço ser eu, porém, que sinto mais dor ao me afastar de você do que vê-lo massacrar o que sinto sem a menor intenção.

Eu não sei o que fazer. Tornei-me egoísta com o mundo porque meu desejo e minha insatisfação ultrapassam meu controle sobre mim. Sou arrogante, dispersa, mas, sobretudo, apaixonada, doente. Mantenho um sorriso amarelo, conservo meu mau-humor naturalmente bem-humorado, mas dentro eu estou destruída. Eu, que já estive em chamas, hoje estou em cinzas.

Você mudou diante dos meus olhos. E, apesar de todos os defeitos que eu tentei lhe atribuir - alguns de maneira bem justa -, é você quem eu ainda quero e hei de querer por sei lá mais quanto tempo. Eu digo, às vezes, que queria esquecê-lo para poder dedicar-me a quem me adora. Mas a verdade é que eu quero que você entenda que eu posso lhe dar tudo o que você quiser, e quanto mais você desejar. Afogo em lágrimas, porque sou completamente sua e porque você só é meu dentro de mim.

11 maio, 2010

Subtil cécité

Quando os olhos se abrem, vêem laços. Vêem cerdas que são minhas e do travesseiro. Meus pulmões sobreviverão, embora haja tanta fumaça. Meu coração, no entanto, há de apagar-se; meu lumiar se encerrará. Há tanto para ver, mas meus olhos míopes alcançam apenas a distância do palmo à frente, nada mais. Por isso o chamo de 'meu mundo', 'meu futuro', 'meu mundo', porque é tudo que seu olhar profundo me mostra. E o infinito é tudo que posso ver.

Sobre homens

Engana-se aquele que pensa que ser pássaro basta:
são hoje os homens mais impressionados com poodles.

São pássaros, pragas
medonhas e bárbaras
que batizam a cabeça alheia
com o sumo infame da terra.

São poodles bocados de nuvens
que saltam, treinados, qualquer porção de coisa.
Seus restos fecais são bombons, vejam só!
Isso, talvez, explique o hábito que os cães tem de cheirar os cus, uns dos outros.


Mas não queira ser pássaro, devaneio certo!
Voar não é para o homem.
Este, coitado
- antes fosse poodle -,
só nasceu p'ra tropeçar e cair.

______________________________

d'aqui.

06 maio, 2010

Madalena

Simplesmente linda. Quando colore-se, irradia tal qual um cristal atravessado pela luz. Uma beleza simples toma seu rosto e percorre seu corpo tão naturalmente que nela não se encontram traços de estranheza. Defeitos minuciosos, visíveis e calculadamente distribuídos lhe dão uma imagem tão bela quanto doce, uma perfeição em suas imperfeições.

Ela, no entanto, não aceita estar onde está: Madalena não admite a sucessão de caminhos que a vida lhe impôs e o tom injusto com o qual cada amor lhe é apresentado e, em seguida, retirado. Expõe-se, vergonhosamente, quando assemelha-se demais aos demais. Todos sabem, como ela, que distanciar-se da humanidade é uma maneira de analisá-la criticamente, para depois reconhecer-se.

Sua lágrima é constante e desesperada. Quem a vê em prantos atesta a teimosia de Madalena em aceitar sua dor, enquanto a face contrai-se de ódio do fatídico rio que lhe corre a face e cora as bochechas. Relutante, respira fundo, ameaça-se inconscientemente e sorri. Uma dor qualquer não faz sentido algum.

Madalena decreta o fracasso sem que antes haja tentativa. É uma forma de eximir-se do sofrimento antes que ele venha e lhe tire o sono pela noite. Então sonha com o que não houve e com o que não haverá, sendo ela tão digna de ser aquilo que quiser.
 ______________________________
d'aqui.

Sobre a brisa, o que eu digo

Acordou à beira mar - já era dia!
Era a brisa aliviando a areia quente.
Qual sonho era este que ora vivia?
E que peça lhe pregara sua mente?



Sobre a brisa, o que eu digo é que ela foi
e o vento nem mais veio beijar-me.
Foi na brisa minha inconstante paz
e eu sinto falta agora, mais que tudo.

Dois pedaços de fundo de rio.
Duas poças de lama barrenta.
Dois olhos castanhos, cor de terra.
Duas janelas com vista para a montanha.

Sobre a brisa, o que eu digo faz sentido:
ela é minha. Ela vai, mas sempre volta.
Haverá um dia em que eu irei distante
e não mais terei olhos de esperança.

Duas superfícies claras de rio doce.
Duas esmeraldas cravejadas em pele.
Dois olhos verdes, cor de botão de lírio.
Duas janelas com vista para o céu.

Ainda sobre a brisa, não mais importa:
agora ventam em mim outros ventos.
Mas está em mim jamais ter asas
e só voar em pensamento, sozinha.

30 abril, 2010

Com alguns meses de atraso...

Lembrei-me vagamente de alguns selos que Diana havia me presenteado. Mas coube agora aceitá-los e respondê-los - antes, antes por uma questão de decência; depois, porque já é hora.

O primeiro é quase uma declaração. E eu sei - como sei! - que cada palavra, pensamento e sentimento que vem de Diana retorna a ela da maneira mais naturalmente recíproca que pode haver. Eu agradeço muito, Preta.




O segundo é um memezinho gentil, que me desfigurou, na verdade.


Há quase três anos que sustento levemente este blog, meio desconcertada, às vezes. Comecei sendo C., que acabou se transformando em Carmen, o que tenho sido desde então com alguma dignidade desnecessária, mas também por empáfia ou vaidade, ou mesmo para não me responsabilizar pelo dito. Fato é que digo, sendo Carmen ou não.

Entro agora no ano 9, ano de esclarecimentos, e Carmen é uma sombra de mim, ou eu dela. Eu já não a posso destruir porque ela é maior do que eu e, ainda que pudesse, não o faria satisfeita. Criei Carmen pra ser meu alter egus, mas acabei compartilhando de sua loucura e angústia, deixando-me ser tomada algumas vezes e resistindo tantas outras, quando ela me sufocava e desandava a dizer coisas que eu jamais diria. Eu sendo eu. Eu sendo Carmen, no entanto, pude escrever sem qualquer pudor. Uma relação um tanto doentia, eu diria. Mas deliciosa, que me levou a lugares onde meus pés jamais alcançariam sem a audácia de Carmen.

Mas estou agora no ano 9. Carmen se vai esconder. Estará ainda aqui, para guiar-me, mas não mais será minha fantasia, minha máscara, meu outro-eu. Será parte do eu que aqui está, como sempre foi, e ainda escreverá cartas a amigos distantes que só conheço por foto. Mas Carmen, meus caros, não ama ninguém. Eu, no entanto, vos amo - é certo.
Vamos à ele:



Como foi doloroso, deixo a quem quiser, mas não vou distribuí-lo.

O terceiro e último é, de fato, um presente. Mais uma vez recíproco.


Eu também Diana. Eu também.

23 abril, 2010

Solution contre l’angoisse.

Respira fundo,
te acalma.

Toda esta angústia passa, quando menos esperar.

Basta, apenas, que tudo se mostre irresoluto:
as resposas surgirão tão naturais quanto seja possível.

Respira,

que tua vida acabou de começar.

Respira,

que tudo o que te vem agora é novo.

Escuta,
este é o primeiro pulsar:

lento,

silencioso,

inaugurando-te a vida.

22 abril, 2010

Olhos voltados para a luz

Os olhos voltados para a luz. Onde é escuro, onde estão todos, existem toras sustentando egos fracos, olhos voltados para a luz.

Os poetas ratejam no escuro.
Os pintores rastejam no escuro.
Os filósofos rastejam no escuro.
Os atores rastejam no escuro.
Ninguém pode ser visto.
Ninguém pode se ver.
Trombam.
Esbarram-se.
São os mesmos, às vezes.

Todos os olhos de todos os egos voltados para a luz. No escuro - não sabem - está a água fresca e limpa, da saliva dos artistas. Permanecem, no entanto, os egos sedentos, sobre suas toras, com os olhos voltados para a luz.

No escuro estão os sabores: são tenros pedaços de carnes, frutos e pães que saem das partes mutiladas dos artistas, verdadeiro banquete! Os imortais rastejantes são os que se fartam de suas próprias delícias; seguem famintos os egos sedentos, imóveis sobre suas toras, olhos fixos, voltados para a luz.

Faz frio. Estranhamente, no escuro, o veludo conforta e aquece qual um cobertor. São os cabelos dos artistas e o esfregar de suas peles que acaloram-se mutuamente, por prazer de fazê-lo enquanto rastejam-se. Egos frios, congelados e afastados, fome, sede, fraqueza. Olhos voltados (saltados!) para a luz.

Secam os egos, por fim, sobre as toras. Seus olhos não brilham, mas nunca o fizeram. Cegos, equilibram-se, endurecem, na tora vazia. Nada alcançam e quebram, às vezes, com o balançar do vento que os atira ao chão.

Seus lugares permanecem vagos, até que um rastejante erga-se, mutilado, nu e seco, e tome seu lugar, olhos voltados para a luz.

21 abril, 2010

Stigma/Defesa

Acusam-me de amar, mas não tenho nada.
O que tive foi desejo; este morreu.
Quando amei foi longe e foi longe o tempo em que existi, inteira.



O que vêem são os elos que sustento, sozinha, para não deparar-me com a vida.
Porque é tão doce um beijo bem dado, com alguma ignorância sentimental;
é tão bravo o peito que insiste e, ora, tão covarde em desistir;
é tão triste, por fim, querer tanto e merecer tão pouco.


Copiado de mim, d'aqui.

16 abril, 2010

Da dor de agora

O amor que eu desejo
toma a forma que necessito:
é confortável seu colo quando dele preciso;
é quente seu corpo quando meu eu é frio;
é forte seu braço se quero que me erga;
é fraco seu ego quando preciso que precise de mim;
é amigo seu ouvido, se me sobram desabafos;
é amante seu todo, se eu toda sou carente.

Só não é meu,
meu amor,
em tempo algum do mundo.

Sigo desejando,
angustiada,
que algum dia eu morra dele.

Andorinha II

Limita o passo, quadrado verde,
                          meio falante,
                          alheio trigonométrico,
                          hecatombe cardíaca brotando
                                                          cogumelo.

- Foi o cigarro?

                         Foi a andorinha: voou esperta
                         concêntrica consciente
                         distraiu-me da localização do ninho.

                         Ou lhe parece que sou predadora
                         ou se lembra dos muros que ergui.

A andorinha não sabe, mas eu não presto. Eu estava diferente, mas não sou, nem serei.
Apenas desejo enquanto podes fugir.

06 abril, 2010

Andorinha

Azul e louca rasga a corrente;
finge, pequena, demasiada pressa.
Pousa em abrigos afastados ao seu, para que nenhum moleque perverso arranque do sossego de seu lar sobre nossas cabeças.
Grita, acuada.
Já é chegado o outono,
não seria hora de buscar a outra metade do hemisfério?

Algumas lembranças só precisam ser, sem que haja nelas aparente significância.

Ele - espelho vento rio

Poderia, aquela que o ama, esperar que os ventos criassem em teu lago ondas tais quais a de um oceano. No entanto, ao inclinar-se sobre as águas, vê-se refletida na calmaria desejada. É o mesmo, o desejo que o mantém confortável na brisa e o que o incentiva à tempestade. E se não sabe quanto deve deixar-se soprar é porque aquela que o ama te respira e te sufoca.

30 março, 2010

A vida, os limões e a vida.

Só por um instante, perceba: é fácil viver. Não há tarefa que a substitua nem outra mais fundamental, mas como é simples. O indivíduo, sendo ele vivo, quando foi que se prontificou a existir. E, mesmo não tendo escolhido, o faz. Pois é esta a maior escolha: permanecer vivo.

Quanto vale uma vida? Quanto vale cada uma das bilhões de semelhantes almas inocentes que jamais escolheram existir, mas passaram/passam/passarão a ser sem que este sentimento lhes pertença? A vida é, literalmente, enquanto dura. É uma fruta fadada a apodrecer desde sua semente, nem sempre madura, nem sempre doce, por vezes arrasada por alguma praga tão imprevisível quanto sua própria existência.

A vida não é uma metáfora, não se pode prever, não se deveria planejar. A vida é agora, enquanto meus dedos adormecem tentando acompanhar o ritmo do que penso. A vida é o respirar e o bater do peito, simultâneo e assincrônico. A vida é involuntária. Existe e é sempre a mesma para todos, mas se desnorteia em cada detalhe e circunstância ocorrido, não previsto e aleatório, já norteado por outra vida anterior: limões.

Alguns fazem limonada, alguns atiram limões na água, alguns trocam seus limões por outros. Usam limões como arma nos olhos do inimigo. Jogam fora - e limão, por acaso, é recurso que se ofereça a alguém? Nada, no entanto, é inteiramente subjetivo. As escolhas, os julgamentos, mesmo esse pensamento confuso e desconexo pode ser explicado logicamente, se houvesse matemática que abrangesse a vida. Não há escolha nem nas palavras que penso escolher; tudo é condicionado ao que sou ou ao que me tornei em função de meus limões. A inusitada vida não é uma metáfora.

A vida não acaba: ela se esgota em seu espaço individual e semeia sua essência em outras tão aleatórias ilusões. A vida passou e continua agora, enquanto permaneço aqui. Ainda tenho limões, um respirar e um bater no peito. Não é agora, mas será um dia. Não importa: a vida é o durante.
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D'aqui.