25 junho, 2010

Enganatriz I (ou Ces't moi)

Toda ela é um equívoco
moldada de podre afeto.
Pobre dela que se conhece
que sabe quem é, que convive consigo.
Pobre dela que dorme e que sonha
e que só dela fala, só ela vê, só dela lembra.

É toda ela um esquivo capricho.
Fraudulenta vida, escamoteadora de si.
E tudo nela é soberba, exagero.
É uma mentira maqueada. De mentira.

Não há de ser grande nem em delírio!
- disso sabendo, põe-se a morrer.
E afoga-se nas inconvenientes bobagens que diz.
Mais uma vez chora.
Mais uma vez chora.

Silêncio.

Quando cala-se, percebe o pulso.
Não morre, não morre.
Mais uma vez chora.

Mais uma vez chora.

20 junho, 2010

Fome cega do amor (idem)

Olhos fechados, ela e ele.

Mas só depois que ambos se olharam ternamente e pareceu-lhes sensato que o toque fosse logo e que somente conseguiriam sentir o toque do outro quando fechassem os olhos (posto que a imagem que viam era profundamente perturbadora e a mente não poderia, ainda que quisesse, ocupar-se de outro sentido).

Sincrônicas, mãos se tocaram. E como que se de olhos abertos, dedos percorreram dedos e curvas e braços. Arrepios.

Ela, delicada, subiu a mão esquerda pelo antebraço, bíceps, ombro, até as costas, onde cravou-lhe as unhas. Desfez-se da pressão enquanto descia-lhe a lateral do abdômen, depois subiu os dedos levemente até o tórax, onde encontrou seu par direito.

Ele, ardente, subiu-lhe o braço direito pelo mesmo caminho, até os ombros. Depois, encaixou a mão em sua nuca e prendeu os dedos entre os cabelos, enquanto a mão destra apertava-lhe o ventre contra o seu.

Ofereceram-se em banquete, cada qual pela fartura do outro. Engoliram-se de tesão, mastigaram-se mutuamente. Comungaram-se. Cada vez mais força, mais desejo. Beijaram-se infinitamente naquele instante: ávidos, ansiosos, famintos.

Saciaram-se, mas então foi a gula. E não mais de fome se consumiam: a necessidade era do paladar. Seguiram - como até agora estão - beijando-se.

Olhos fechados, eu e você.

16 junho, 2010

Carmim

É um vermelho quase rosa príncipe-negro.
Talvez um pouco menos aveludado.
É como uma tulipa pela manhã
ou ainda um sangue corrente.

"É a cor do amor!", gritaram os sem-razão.
E sem razão bateu o peito, não sabia do que se tratava.
"O amor tem percorrido grandes distâncias para saciar-se", concluiu solitária.
Não sabia se ria ou chorava.

07 junho, 2010

Plangente

Na janela, espera.
Que propício lugar para matar-se aos poucos,
que ocasião notável para estripar-se.

Ela cortou o peito e deu-lhe o coração, não vês?

03 junho, 2010

O que eu quero contigo

Quero conhecer-te.
Quero que se apaixone pelos meus olhos através dos meus óculos vermelhos.
Quero que o nosso primeiro toque seja como um vulcão, e nossas primeiras palavras se engasguem.
Quero que você me deseje timidamente com o olhar.
Quero que nosso primeiro beijo seja acidental, mas que evolua para uma loucura maior, que sejamos tomados pela volúpia, que nosso corpo não caiba mais em desejo e que sejamos um do outro pelo instante de uma tarde maravilhosa.
Quero o pôr-do-sol mais lindo que sua cidade puder oferecer.
Mais entrega. Quero você adormecendo no meu peito. Eu acordada, sem acreditar.
Quero ver o sol nascer. E um dia p'ra lembrar por toda a vida.

02 junho, 2010

Diana do peito meu

Todo dia, meu amor,
vigio teus passos.
Busco, adiante,
as novidades de tua existência distante.
Acompanho tua poesia
para que tenhas um lar aconchegante
e tua voz possa ecoar além do teu espírito.

Dedicar-me a ti é uma forma de apagar tua ausência.

Diz-me, agora,
como posso ainda viver sem ti?
Encontremo-nos, Diana,
para que meus olhos lhe fotografem,
e eu registre teu tempo,
e eu percorra tua vida através dos teus sonhos.

Quero enquadrar-te no infinito onde sequer cabe minha saudade.

Quero estar contigo, vê-la piscar;
dobrar ondas na orla baiana,
criar furacões dentro de mim.

01 junho, 2010

Anoitecer

Como é triste e constante a noite dos teus olhos.
Chove sempre,
caem estrelas no jardim do meu ventre.
Está quente, agora, amor.
Deita.
É noite e teus olhos vão dormir.

E, sem qualquer esperança,
teus dedos correm meus cabelos.
"É noite", dizes, "deita comigo".
E teu toque de leve brutalidade
encaixa nossos quadris.

Dorme, amor, que já é tarde.
Dorme, que eu não posso mais.

Mas teus olhos anoitecidos não mais me vêem
e, cego, tuas mãos me examinam.
"Deixa-me anoitecer contigo,
penetrar a madrugada e
adormecer em ti".

Contra a poesia eu não resisto:
anoiteço.