29 abril, 2009

[473]

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhaslágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

23 abril, 2009

Porque eu não te amo.

Eu não posso dizer que te amo, simplesmente: eu não te amo. Seria injusto com todas as forças que regem o mundo, inclusive com o acaso, que eu te demonstrasse um sentimento que não é meu, que você não cultiva em mim. Te deixaria sentir de mim ventos que eu não sopro.

Meus passos são desconexos, difíceis de seguir. Mais fácil seria dançar comigo, mas acho que, para dança, não sirvo como companhia. Meu caminho não é sozinho. Mas há pedras demais por ele, pedras que eu mesma coloquei.

Se pudesse te levaria. Te colocaria dentro de mim, te enlaçaria os dedos, te carregaria as malas. Não é o amor que me leva até você, são outras brisas, ainda mais leves e mais dignas. Eu te levaria e te soltaria no penhasco, te deixaria voar e tu entenderias o pássaro que és. Por não te amar, no entanto, não te posso levar onde quero, não te posso isolar no mundo, não te posso possuir. Não cabes no meu corpo. Como não cabe, no meu espaço físico, mais ninguém além de mim.

19 abril, 2009

Da beira, o pulo.

Aquele pedaço meu chamado dignidade está gritando. E diz, contra todos os outros pedaços em mim, que a renúncia ainda é uma opção, que é possível permanecer digno - e mais: ser ainda mais digno - reconhecendo a futilidade de alguns atos e abandonando alguns gestos frequentes. Não me ocorre, no entanto, abandonar gesto algum. E acho até que, enquanto não perco toda a dignidade, posso ainda fingir que escrevo, realçando um ou mais traços de qualidade minha. Ilusões para se cultivar em um jardim.

Não falta nada. Tenho ainda até os mesmos amigos que fingem gostar do que eu digo. Já não sei se é de agora, percebo que há/sempre houve uma necessidade em me agradar. Não, não são falsos amigos. São queridos amigos que cuidam da minha ilusões, que me afagam docemente o ego, permitindo minha fuga todas as noites. Amigos preciosos, mas que me faltaram com a verdade e que obrigaram a ver o mundo com meus olhos míopes e tendenciosos. Correndo, ainda, o risco de violar meus próprios códigos.

Há quem diga, até, que eu sou má. É a mesma doce alma que me chama de coisas ainda piores, mas sequer posso acusá-la de difamação. Ela me entende, sabe que não há nada em mim que seja essencialmente diferente dela. E somos, sempre, a transição de nós mesmas. Foi assim que meus desejos se foram e, buscando uns casa com cômodos menores que conservasse o mesmo aconchego, encontraram-na. Eu sou má, ela me diz, sabendo que isso nada tem a ver com mediocridade.

É preciso admitir, entre outras coisas, a felicidade dos meus acasos. Poder chamar de amigos, ainda que sob perspectivas pouco ambiciosas, pessoas como Mariana Khalil, Diana Borges, Gustavo Ruzzene, Elba Rocha e outros, faz de mim uma pessoa notável. Uma pequena notável. Mas nada tem a ver minhas relações com uma possível notabilidade. Incrível a beleza do coração, se assim posso chamar, de cada um deles. E porque me fazem um bem sem explicação é que às vezes escrevo com alguma alegria. E fica fácil dizer o que sente, sendo sincera e pouco retórica, quando isso se dá em explosões múltiplas.

Não me arriscaria a qualquer diagnóstico a meu respeito. Ando triste, e acho que não existe nada além disso. Nunca houve, aliás. Começo a desconfiar que a tristeza não é um estado, mas uma condição. Não é ruim. É caso, apenas, de se acostumar, como com a alegria. Ou aceitar que não existe escolha permanente. Aceitar que não basta suor para uma execução perfeita, também é necessário algum desprendimento e aquilo a que me habituei a chamar de dom. E é por isso que, mesmo querendo, não posso cumprir as promessas que fiz, tamanho seja meu desejo de atendê-las. Não se zanguem, caros amigos, com minhas falhas. Sou humano, demasiado humano. Nem sempre cabe ao meu orgulho reconhecer meus defeitos ou ao meu abatimento, reconhecer meus atributos. E escrevo desgovernadamente quando deveria calar meus dedos ou passo dias sem escrever, quando tudo em mim arrebenta em sentimento.

Compreensão, amigos.

Porque não sou mesmo medíocre. Se sou capaz de assumir.

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À todos os amigos citados e aos não citados, mas em especial à Diana, que me arrebentou as veias e me confessou, entre delicadezas, que eu estava irreconhecível. Morrendo e matando de delicadeza. Aquele monstro de delicadeza.

15 abril, 2009

(sem título XV)

Há de ser prioridade nessa minha vida amar as pessoas certas e parar de amar as erradas.

09 abril, 2009

Minha vida, meu desejo e a distância entre as coisas.

Pensei em apagar tudo que vivi, escrevi e li até agora em troca de uma próxima experiência menos real e, talvez, mais válida. Mais bonita, com certeza, que todas as coisas que já fui capaz de viver. Triste, frágil e cheia de dor, eu havia decidido me recolher. E uma flor me chegou pelo correio, uma resposta aos meus afagos. Leve. Um carinho que eu quase senti físico, mas foi por dentro, aqueceu o peito. Um beijo do amigo distante.





Amigo,

fiquei ainda mais frágil, mais triste e mais dolorida. Eu não posso te responder agora, nem sei se poderei um dia, só sei que choro feito a criança que descrevi em você, sem saber, ou não, do verdadeiro velho que escondes. Mas uma resposta surgirá e voltará às suas mãos como forma de agradecimento. Não é necessário que seja recíproco, é só necessário que seja verdadeiro em tudo que seja. Já és, sinceramente, meu pedaço de vida e desejo.