30 março, 2010

A vida, os limões e a vida.

Só por um instante, perceba: é fácil viver. Não há tarefa que a substitua nem outra mais fundamental, mas como é simples. O indivíduo, sendo ele vivo, quando foi que se prontificou a existir. E, mesmo não tendo escolhido, o faz. Pois é esta a maior escolha: permanecer vivo.

Quanto vale uma vida? Quanto vale cada uma das bilhões de semelhantes almas inocentes que jamais escolheram existir, mas passaram/passam/passarão a ser sem que este sentimento lhes pertença? A vida é, literalmente, enquanto dura. É uma fruta fadada a apodrecer desde sua semente, nem sempre madura, nem sempre doce, por vezes arrasada por alguma praga tão imprevisível quanto sua própria existência.

A vida não é uma metáfora, não se pode prever, não se deveria planejar. A vida é agora, enquanto meus dedos adormecem tentando acompanhar o ritmo do que penso. A vida é o respirar e o bater do peito, simultâneo e assincrônico. A vida é involuntária. Existe e é sempre a mesma para todos, mas se desnorteia em cada detalhe e circunstância ocorrido, não previsto e aleatório, já norteado por outra vida anterior: limões.

Alguns fazem limonada, alguns atiram limões na água, alguns trocam seus limões por outros. Usam limões como arma nos olhos do inimigo. Jogam fora - e limão, por acaso, é recurso que se ofereça a alguém? Nada, no entanto, é inteiramente subjetivo. As escolhas, os julgamentos, mesmo esse pensamento confuso e desconexo pode ser explicado logicamente, se houvesse matemática que abrangesse a vida. Não há escolha nem nas palavras que penso escolher; tudo é condicionado ao que sou ou ao que me tornei em função de meus limões. A inusitada vida não é uma metáfora.

A vida não acaba: ela se esgota em seu espaço individual e semeia sua essência em outras tão aleatórias ilusões. A vida passou e continua agora, enquanto permaneço aqui. Ainda tenho limões, um respirar e um bater no peito. Não é agora, mas será um dia. Não importa: a vida é o durante.
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D'aqui.

24 março, 2010

Descrente

Guardei-te a tristeza mais sincera de não ver-te na peleja da manhã.
Colocas sobre a mesa meu café, logo esfria.

Nossos pés se adoram um pouco mais.

Descrente,
observas. Talvez a realidade só lhe
seja possível quando me lacera
entre os dentes e seus dedos
entrelaçam as ramas do
meu cabelo macio,
massageando 
meu ego.

Buscas - parece - acorrentar-me em tuas retinas, enquanto observas, descrente.

Tudo que carece,
tudo que falta,
tudo que não é
evade.

Basta que agora acredites que existo, sou tua e para sempre,
por agora,
só.

09 março, 2010

Viajante regresso, ouça:

feito seu trajeto, é hora então de repousar.

Nos peitos esperançosos houve calor todo esse tempo e cabe, agora, escolher o mais cômodo e afável descanso. Seja sempre bem vindo onde quer que aporte. Vaga minha alma agora em paz, porque não mais existe um oceano de distância. Peço agora que, lendo isto, imagine minha voz a sussurrar-lhe canções ingênuas, até que, leve, sua pele sinta meu cuidado contigo e teus olhos me vejam ao teu lado. Assim cabe o meu abraço aqui, pela falta que me tem feito suas palavras e tua existência menos remota.
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Roubado de mim, d'aqui.

08 março, 2010

Você não sabe o que é ser mulher

Possuir-se sem requisitos,
sem esperar-se no canto do quarto.
Mais que se cobiçar nas noites:
desejar-se completa o dia que seja.

Pois é esta vida muito necessária
e dela não se pode escapar sem ter sido.
Evade-se a testemunha moral.
Quem fica é quem dorme, quem olha e quem chora.

Qu’importa o tempo gasto na insignificante existência,
se mais belo e constante é o suspiro?
Quantas madrugadas te divertiu contigo
a desmascarar as faces abusadas da estrela?

Que imaginas que imagina quando ferve em delírio?
Não teme afronta de quem chega, o vício impera.
Se vê estrelas, é ela mesmo quem constela.
E transborda mil vulcões, cerra as pestanas.

Se o limite que conhece é a forma
e, entrelaçadas, as pernas denunciam o prazer
foi mais que digno amar-se sem renúncia.
Divino é o elogio que ela toma para si.

Não foi insana ao cravar a própria carne
porque não buscou outra que não a si.
Encontrou-se, abraçou-se, dormiu-se.
Irão dizer: aquela que sub-meteu-se.