16 maio, 2010

Ao poeta

Divagar, poeta? - Despautério! Não é possível fugir da insanidade. Tudo o que nos preenche - assim como o que nos esvazia - há de apagar-se.

Só não sei dizer das ilusões. Acreditava, ontem, no que não existe, hoje. E já não sei se, de fato, deixou de existir ou se, simplesmente, jamais foi - mas como sabê-lo, poeta? E toda a culpa por ser mercadoria não se dissipa, porque, ao contrário, edificou-se. É, agora, como um membro que eu carrego e, às vezes, até aprecio.

Tu falaste da fome de ser. E eu tenho fome de ser o mais desejável dos seres. Mas estando longe de qualquer apreciação, eu tenho fome de ser o mais repugnante indivíduo, e que meus olhos não sejam mais vistos, que minha pele não seja tocada, que eu não seja aceita em lugar qualquer e que sequer, no mundo, saibam meu nome.

Sendo fácil, poeta, eu morreria. Banalmente, deixaria-me ser levada ao desastre, para que, aos que ficassem, não restasse muita dor ou muita justificativa. Mas o que impele o indivíduo a agir é a possibilidade de arrepender-se descaradamente. E na morte, creio eu, não há como arrepender-se. E sei que meu instável coração não deseja meu fim, tão logo.

Por que, então, poeta, esta gula? Por que esse desejo de explicar-se compulsivamente, descortinar o outro e agregá-lo ao peito? Por que querer amar amar amar? Ignoro.

Pensemos na vida, poeta. Desgraçado fardo ao qual nos apegamos sem limite, e para o qual criamos regras e valores tão absurdos quanto o próprio acidente trágico que é a vida - miséria esta pior que a morte. Não, poeta, eu não vou encerrar minha vida nesta carta. Para matar-me, se o fizesse, não haveria qualquer palavra. Eu guardaria meu último suspiro num silêncio. Não é o caso.

O que invade-me é a recusa de aceitar a vida. Mas veja a demência do que digo: que ironia, poeta, rebelar-me contra o que me mantêm em movimento para rebelar-me! Sequer faz sentido!

Parece-me, poeta, que sou exilada da vida da vida e a enxergo como o vento, sem lugar. Sem encontro.

Eu chamaria o que sinto de melancolia. Tão vazia me sinto que qualquer olhar encanta-me, qualquer elogio seduz. E onde estão, poeta, meus sentimentos? E onde ficam os teus, meu poeta? Onde está o juiz que condenou-me a julgar? E qual carrasco fez de mim tão irracional? E quem tem culpa, poeta, se sou eu o juiz e o carrasco, quem condena e quem executa a pena?

Poeta, eu estou cansada. Cansada de distribuir amor como quem doa roupas velhas ao necessitado, mas também ao burguês preguiçoso. Não recebo nada do que distribuo, mas há aí outra incoerência: Se tanto desejo amor, porque dou todo o que tenho?

Disseram-me, poeta, que preciso de mais amigos. Mas não é disso que preciso, jamais os tive. Eu não sei, em mim, ser amiga; só sei ser amor. E por isso amo tanto e tanto, insanamente, sem medo e sem pudor. Amo de várias formas, mas todas são, eu garanto, amor. Mas, dessa inconsequência ,eu carrego, quase que de imediato, uma dor. Sou fadada a esquecer, porque as pessoas passam, fugazes, deixando em mim um reflexo do que eu sinto, não do que são.

Encerro, poeta, desculpando-me pelo desconforto de ler-me desconexa e amargurada, mas sei que teu bom coração há de querer-me bem, mesmo quando do fim desta carta. Grata por ter chegado até aqui, eu e você.

2 comentários:

Guilherme Navarro disse...

Maestria em falar de inquietações que todos, em maior ou menor grau, compartilham. Muito bom, muito bom!

Guilherme Navarro disse...

Só pra constar: coloquei esse antro de bons textos na minha lista de blogs lá no meu. Demorei para fazê-lo, inclusive.