19 setembro, 2008

Andréa

Eu tinha doze anos quando ela morreu. E eu nunca entendi muito bem como foi isso. Duas semanas antes estávamos fazendo macarrão ao alho e óleo pra matar a fome e dormindo na cama dos meus pais. Ela me chamava de "lindinha" e era minha melhor amiga, minha irmã. Às vezes brigava porque, afinal de contas, era adulta. Mas, quase sempre, era tão pré-adolescente quanto eu, tínhamos tantos segredos quantos eram possíveis ter.

Ah, ela era quente. Uma pele confortável de se fazer carinho. Um cabelo curtinho, macio. São sensações que eu ainda sinto se fechar os olhos. A pele dela é um toque que eu nunca vou esquecer.

E a voz. Como era linda, como era doce. Tinha os óculos com a armação grossa, cor de vinho. Ontem quando me vi com meus óculos de armação grossa, cor vermelha, me achei muito parecida com ela. E me deu uma vontade louca de cortar o cabelo curtinho, como o dela, só pra ter um pouco dela de volta.

Eu não fui ao velório, porque não deixaram. Hoje penso que foi melhor, tenho boas imagens dela na cabeça. Não foi fácil aceitar um mundo onde ela não existia, tudo perdeu um bocado o sentido. Me senti um tanto abandonada, não a perdoei por ter me deixado. Hoje me reservo o direito de achar que ela não morreu de fato. É uma ilusão confortante, mas eu não ligo. É, foi melhor assim.

Ela não estava aqui pra conhecer meu primeiro namorado, não me deu conselhos amorosos, não estava pra me ajudar à escolher um curso na faculdade. Não vai à minha formatura, nem ao meu casamento. Meus filhos não a conhecerão. Mas eu nunca a perdi de vista, tenho sempre sua imagem diante dos meus olhos. E suas mãos me ajudam a dormir quando a noite é triste.

Eu ainda escuto músicas pensando nela. Cozinho coisas que ela gostava de comer. Me arrumo pra que ela me aprecie. Ainda penso no que fazer como se fossem conselhos dela. E vivo, de certa forma, pra compensar aquilo que ela não teve chance de viver.